«Acabo de escrever um longo poema em sete partes (no total uns 200 versos) sobre o tema de Aquiles e Pentesileia. Mas estes são transportados da guerra de Tróia para uma luta entre dois bandos de motards e a grande (e trágica) questão é a da “dilatação” pelo amor do instante do “reconhecimento”, sobretudo quando a morte dita as suas leis. Enfim, V. verá, pela cópia que lhe mando. Eu não queria o poema ilustrado por um pintor, no sentido tradicional do termo “ilustração”! Mas penso que ficava muito bem conjugá-lo com desenhos de um pintor que porventura já existissem e estou convencido de que a minha editora acolheria bem a ideia (…) Ora Você tem tantos esboços e trabalhos preparatórios de quadros, para além daquilo que eu não conheço, que me ocorreu que talvez tivesse um conjunto de desenhos que “dessem bem” com o texto…»
(De uma carta do autor, em 30.5.98, para Jorge Pinheiro)
«Como me disse que não queria “ilustração de”, e eu também não me sinto nada bem nessa situação; como pensou em algo, tipo apontamento, que já estivesse feito; como eu não queria também contar (eu) uma história, dei a volta à memória tentando recordar-me de apontamentos que “dessem bem” com o poema. Acontece que esses apontamentos, para mim, fazem parte geneticamente dos quadros e faço o impossível para os não separar. E, quando venho o quadro, os desenhos vão juntamente (…) Mesmo assim, e depois destas congeminações todasm li o título do poema, os primeiros versos, e disse para os meus botões: – se leio o poema fico prisioneiro de certas imaens e a desejada separação entre os desenhos e o poema corre riscos. Mas, hoje, não resisti à tentação e li mesmo o poema várias vezes.
Parece-me que, felizmente, não fiquei “envenenado” porque, se bem o li, ou pelo menos, foi assim que o li, a atmosfera que todo o discurso cria sobrepõe-se a qualquer hipótese de história ou narrativa. Os personagens não têm “feições”, os espaços de acção não são tornados visíveis, as referências são tangenciais e remetem sempre para a memória de memórias de memórias… “ad infinitum”.
As “meias pelavras desarrumam” tanto quanto a estrutura arruma os fragmentos com que é construído (…)
Ora, por via disto, eu lembrie-me (e também na sequência do seu desejo de ver aí qualquer coisa do tipo apontamentos) de procurar nos meus papéis apontamentos de pés, mãos, cabeças, etc., isto é, fragmentos que, juntos, impossibilitem a construção de qualquer tentativa de narrar o que quer que seja.»
(De uma carta de Jorge Pinheiro para o autor em 6.6.98)