“Ocorreu-me recentemente que seria interessante indagar como é que os animais existem na poesia de Rainer Maria Rilke. A ideia veio-me da leitura de alguns passos dos Cadernos de Malte Laurids Brigge e das Cartas a um Jovem Poeta. Nesses textos, e porque, diz Rilke, “há entre as coisas e os animais um numeroso acontecer”, aponta-se por um lado a uma profunda concordância dos ciclos e ritmos da visa e, por outro, à importância de certas formas de vida para a eclosão de uma poética.
Rilke lembra a Kappus: “toda a beleza nos animais e nas plantas é uma forma silenciosa e permanente de amor e desejo e pode ver o animal como vê as plantas, unindo-se e multiplicando-se e crescendo pacientemente, doculmente, não do prazer físico, não do sofrimento físico, curvando-se às necessidades que são maiores do que o prazer e mais fortes do que a vontade e a resistência”. Malte Laurids Brigge escreve que “por causa de um verso, tem de se ver muitas cidades, pessoas e coisas, tem de se conhecer os animais, tem de se sentir como os pássaros voam e de saber os gestos com que as pequenas flores se abrem pela manhã”.
A minha ideia de organizar e traduzir um bestiário rilkiano tem a sua origem nestas passagens.
O conjunto tem certa variedade e heterogeneidade. […] Mas em todos funciona um certo tipo de inquietação lírica, como se, através do palpitar entrevisto nas criaturas animadas que são objecto do poema, se nos pudesse desvendar mais alguma coisa, mesmo que esse alguma coisa não seja mais, passe o paradozo, do que a própria indecifrabilidade. Rilke procurava, a partir dos Novos poemas, um novo tipo de objectividade despersonalizada, como se os seres e as coisas fossem expressos a partir do seu (deles) próprio âmago.”
Vasco Graça Moura
Rainer Maria Rilke, Carrossel e Outros Poemas
Rainer Maria Rilke
trad. Vasco Graça Moura
Porto
ASA
2004
trad. Vasco Graça Moura
Porto
ASA
2004
Edições
Rainer Maria Rilke – Rainer Maria Rilke, Carrossel e Outros Poemas; colab. Júlio Resende. trad. Vasco Graça Moura. Porto: ASA, 2004. ISBN 9724137228